novembro 22, 2024
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22/11/2024

Pagamentos de royalties à cidades sem produção de petróleo: Justiça vê irregularidades

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Por Redação

Desembargadores do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) têm aprovado o pagamento de royalties milionários pela exploração de petróleo e gás a municípios que não possuem qualquer produção. As decisões judiciais contornam a lei e são obtidas por meio da ação de um lobista condenado por estelionato e atualmente investigado pela Polícia Federal (PF) por lavagem de dinheiro. Ele lidera um grupo de advogados recém-formados e sem experiência no setor, que já acumulou R$ 25,7 milhões em honorários. No estado do Rio, São Gonçalo, Magé e Guapimirim têm contratos com escritórios de advocacia sendo investigados pela Justiça Federal.

Os royalties são pagos pelas empresas que exploram petróleo como forma de compensação pela utilização dos recursos naturais, e devem ser utilizados pelos governos para investimentos, bem como para melhorias na saúde e educação.

Suspeita de ilegalidade: no estado do Rio, São Gonçalo, Magé e Guapimirim também foram beneficiadas através de liminar

No ano passado, as cidades de São Gonçalo, Magé e Guapimirim foram beneficiadas por decisão judicial que alterou a divisão dos recursos dos royalties no estado do Rio de Janeiro. São Gonçalo, por exemplo, recebeu um repasse de quase R$ 220 milhões, no dia 18/08/22, referente à participação especial, benefício conquistado através da decisão judicial, que previu a correção dos valores retroativa a janeiro de 2017.

Em dezembro de 2022, a presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Rosa Weber, negou o pedido de São Gonçalo, Magé e Guapimirim para voltarem a receber maiores parcelas de royalties de petróleo. Mas quase R$ 500 milhões já haviam sido repassados somando os três municípios.

São Gonçalo, Magé e Guapimirim contrataram a associação Nupec e o escritório do advogado Djaci Falcão Neto, filho do ministro Francisco Falcão, do STJ. Os contratos são investigados pelo Ministério Público do Rio. Matéria publicada pelo jornal Estadão mostrou que a entidade e associados podem faturar até R$ R$ 300 milhões em royalties em contratos sem licitação com municípios que preveem 20% em honorários em caso de êxito.

Além de Djaci, fazem parte dos associados da Nupec Hercílio Binato, genro do ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal (STF), e Vinícius Gonçalves Peixoto, que é alvo da Operação Lava Jato do Rio. O problema é que no meio jurídico, o êxito era dado como praticamente incerto. Mas mesmo assim os três municípios contrataram os serviços advocatícios a valores exorbitantes.

A juíza federal da 1.ª Vara de Niterói, Helena Elias Pinto, afirmou ver “fatos graves” a respeito do uso de uma entidade sem fins lucrativos para representar municípios em disputas bilionárias por royalties do petróleo. Em despacho, a magistrada abriu espaço para manifestação do Ministério Público Federal (MPF) em relação ao tema.

Casos se repetem em outros estados

As decisões judiciais já proporcionaram total de R$ 125 milhões para prefeituras localizadas no Amazonas, no Pará e em Alagoas. Entre essas cidades, encontra-se Barra de São Miguel, em Alagoas, cujo prefeito é Benedito de Lira (PP-AL), também conhecido como Biu, e pai do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL).

Registros oficiais demonstram que o lobista Rubens de Oliveira visitou o gabinete de Lira em Brasília dois meses antes da liberação dos recursos que estavam bloqueados.

Com essa decisão, a cidade de Barra de São Miguel, que antes recebia apenas R$ 237 mil em royalties por estar em uma zona de produção de petróleo, já recebeu R$ 14,5 milhões. Isso aconteceu com base em uma alegação de que o município possuía “instalação de embarque e desembarque de petróleo e gás” em seu território, o que não corresponde à realidade.

O dinheiro repassado para as pequenas cidades é proveniente de cotas que anteriormente eram destinadas a locais que são impactados pela exploração de petróleo, como cidades no Rio de Janeiro e no Espírito Santo.

Nos últimos dois meses, a reportagem do jornal O Estado de S. Paulo identificou que o grupo liderado pelo lobista Rubens de Oliveira obteve acordos com três desembargadores do TRF1, sempre os mesmos, que concederam a 21 prefeituras do Amazonas, de Alagoas e do Pará o direito de receber royalties, mesmo sem terem atividades de produção de petróleo.

Em decisões breves, os magistrados concordavam com as alegações apresentadas pelos advogados. Em alguns casos, o grupo não apresentou fotografias, relatórios técnicos ou indicou os locais onde supostamente haveria instalações de petróleo que justificassem os repasses.

A reportagem do jornal O Estado de S. Paulo analisou 13,5 mil páginas de diversos processos judiciais e constatou que os chamados “advogados laranjas”, que atuam em nome de Rubens, utilizam documentos e informações falsas em pedidos genéricos apresentados ao TRF1. Os três desembargadores têm autorizado os repasses de royalties conforme solicitado.

Segundo a reportagem, o lobista atua persuadindo prefeitos a contratar escritórios de advocacia sob seu controle para pleitear, na Justiça Federal de Brasília, o direito a altos valores de compensação financeira por meio dos royalties do petróleo. Em troca, o grupo recebe 20% de todas as quantias que as cidades recebem com base nas decisões judiciais, mesmo que essas sentenças venham a ser anuladas posteriormente. Apuração apontou que os honorários são divididos entre o lobista, sua esposa — proprietária de uma loja de cestas de café da manhã — e seu primo, além dos próprios advogados envolvidos.

A reportagem apontou que Rubens emprega empresa fictícia de consultoria para conduzir práticas de aumento artificial de receitas de royalties. A suposta empresa chamada “RP Consultoria e Assessoria” não possui registro válido na Receita Federal. O “R” refere-se a royalties e o “P” a petróleo. A logomarca representa o óleo fluindo de um cano.

Ao todo, 10 ordens foram emitidas pelo gabinete do desembargador Carlos Augusto Pires Brandão, cinco pelo gabinete da desembargadora Daniele Maranhão, e quatro pelo desembargador Antônio Souza Prudente. O TRF1 possui 38 desembargadores, porém, somente esses três foram responsáveis por conceder decisões nesse sentido. Todas as informações foram levantadas pela reportagem a partir dos processos públicos que tramitam no TRF1.

Segundo apuração, as ações movidas pelo grupo do lobista em nome das outras 35 cidades tiveram seus pedidos de liminares rejeitados nas primeiras ou segundas instâncias. O desembargador Souza Prudente negou dois deles. Além disso, os municípios de Jutaí e Itamarati, localizados no Amazonas, perderam o direito aos royalties que haviam sido concedidos pela desembargadora Daniele Maranhão quando esta foi substituída por um juiz convocado para atuar em seu gabinete.

“Melhor analisando a matéria e consideradas as informações prestadas pela ANP, tenho que aquele entendimento deve ser revisto. Não há, de fato, na legislação de regência da matéria e no entendimento jurisprudencial que se firmou acerca do tema, previsão de enquadramento do município agravante como beneficiário de royalties pela situação fática descrita”, afirmou o juiz federal Paulo Ricardo de Souza Cruz, que substituía a desembargadora.

Rubens de Oliveira é figura atuante nos três poderes em Brasília e chegou a se reunir com Arthur Lira durante o período em que Barra de São Miguel buscava receber os royalties. Além disso, há registros de que ele visitou o Palácio do Planalto pelo menos cinco vezes entre 2021 e 2022, conforme os registros de visitantes.

Em 24 de novembro de 2021, de acordo com os registros oficiais do Congresso, ele entrou na Câmara dos Deputados às 11h53min, informando que iria se encontrar com o deputado. Nessa ocasião, o município alagoano ainda tinha uma decisão favorável do TRF1, mas ainda não havia recebido os pagamentos de royalties. Barra de São Miguel acabou recebendo os valores após o magistrado decidir que o município deveria ser considerado como se tivesse uma “instalação de embarque e desembarque” de petróleo, mesmo que tal estrutura não existisse na cidade.

Em 2018, ele foi alvo de uma operação da Polícia Federal (PF) que investigou roubo de precatórios mediante falsificação de documentos. Em junho de 2022, ele foi condenado por estelionato e atualmente está recorrendo da sentença no Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4). Ele permaneceu em prisão preventiva desde 12 de julho de 2018 até 18 de dezembro de 2019, quando deixou a prisão utilizando uma tornozeleira eletrônica.

Brenno Cazemiro reconheceu que as bases técnicas das ações que ele apresenta são ditadas por Rubens de Oliveira.

A reportagem entrou em contato com o escritório de Debora Previati por telefone. O telefone foi atendido pelo marido dela. Ele informou que não poderiam falar naquele momento e solicitou que a reportagem entrasse em contato novamente na segunda-feira (24). No entanto, não atendeu às chamadas feitas.

Procurados, os advogados Gustavo Macedo, Maria de Fátima Farias e Marli de Oliveira não prestaram respostas aos questionamentos da reportagem.

Contrapontos:

Rubens de Oliveira afirmou ter conversado com Arthur Lira, na Câmara, sobre “consórcios que os municípios criam para atuarem no mercado de uma forma mais justa”. Ele se apresentou como representante de prefeituras alagoanas que se unem para participar de licitações, especialmente relacionadas à construção civil e medicamentos, como forma de obter melhores condições. Ele negou atuar no mercado de royalties e petróleo. Mas, nas redes sociais, ele anuncia: “Royalties de Petróleo no Amazonas é com a RP Consultoria e Assessoria”.

O TRF1 informou que “não haverá manifestação por parte dos magistrados citados”.

A desembargadora Daniele Maranhão afirmou que possui “30 anos de magistratura e sempre pautou suas decisões pelas leis e pelos princípios que regem a jurisdição”. Ela acrescentou que repudia as ilações que foram feitas em relação a suas decisões.

A AGU, que representa a ANP na Justiça, respondeu às informações levantadas pela reportagem do jornal O Estado de S. Paulo. Em comunicado oficial, o órgão declarou que as decisões em questão foram proferidas sem rigor técnico e estabeleceram critérios criados judicialmente. Ressaltaram que quando um município que legalmente não tem direito a royalties passa a recebê-los, isso gera um efeito cascata bastante deletério, pois reduz o montante a ser repassado àqueles que legalmente têm direito a receber.

Arthur Lira, presidente da Câmara dos Deputados, inicialmente solicitou mais tempo para responder à reportagem, mas posteriormente preferiu não fazer um pronunciamento oficial.

O município de Barra de São Miguel também optou por não fazer nenhum comentário.

Quanto aos advogados envolvidos, Brenno Cazemiro reconheceu que as bases técnicas das ações que ele apresenta são ditadas por Rubens de Oliveira. O grupo liderado por Rubens é composto por, pelo menos, mais quatro advogados. Um deles, Gustavo Freitas Macedo, atuou na defesa de Rubens durante o processo em que foi condenado por estelionato. Outros integrantes incluem Fátima Madruga Farias, do Rio Grande do Sul, Brenno Cazemiro, do Amazonas, e Debora Previati, do Paraná.

A reportagem identificou que a dupla Cazemiro e Debora foi condenada por litigância de má-fé em uma ação movida em conjunto em nome do município de Urucurituba (AM). Isso ocorre quando uma das partes age de forma desleal para prejudicar a outra parte ou o Judiciário.

O juiz Marcelo Gentil Monteiro, da 1ª Vara do DF, afirmou na sentença que a dupla “violou claramente a boa-fé processual e deixou clara a real intenção de burlar regras processuais impeditivas”.

A apuração revelou que, em algumas ações, Gustavo Freitas Macedo argumentou que a exploração de petróleo poderia afetar negativamente “aves, mamíferos e uma ampla diversidade de flora e fauna”. Em outra ocasião, Macedo recorreu a argumentos filosóficos e religiosos para tentar justificar que cada magistrado poderia ter uma interpretação distinta sobre o mesmo tema.

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